CC Magazine: Carlos Padrão
 

Carlos Padrão


 


Dados biográficos: Carlos Manuel da Costa Padrão (01.09.1958)
Iniciação: ASA, CD Beja e Sporting CP.
Sénior: GD Riopele, SC Beira Mar, UD Leiria, CF “Os Belenenses”, V. Setúbal, GD Chaves, Boavista FC, FC Porto, FC Paços de Ferreira e SC Olhanense.



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Estávamos no fim da década de 50, em 1959 no sudeste asiático começava a Guerra do Vietname, guerra essa que viria a durar 16 anos. A 9 de Março, nos Estados Unidos da América, Ruth Handler e o seu marido Elliot criavam a Barbie e em Portugal viria a ser inaugurado o Metropolitano de Lisboa, com as suas primeiras 11 estações. No desporto, o australiano Jack Brabham vence o seu primeiro título mundial de Fórmula 1 e em Estugarda, o Real Madrid vence a sua 4ª Taça dos Clubes Campeões Europeus consecutiva, ao bater na final o Stade Reims (2-0) com golos de Mateos e Di Stéfano. Já em Portugal, o FC Porto alcança o seu 4º título nacional, José Águas é o melhor marcador do campeonato e no Jamor, o SL Benfica, bate o então já campeão FC Porto por 1-0 (golo de Cavém), vencendo a Taça de Portugal.

Alheio a tudo isto, e a mais de 6000 quilómetros da Metrópole, no Lobito, província de Benguela (Angola) nascia Carlos Manuel da Costa Padrão. Fez parte da famosa escola “leonina”, defendeu as balizas de alguns dos mais emblemáticos clubes do nosso futebol, foi internacional juvenil, júnior e esperança pelo nosso país, numa carreira de quase duas décadas e onde fez mais de 250 jogos, no nosso principal campeonato.

Entrámos em contacto com o Carlos Padrão, desde há muito habitual leitor e comentador do nosso blogue, que desde logo se mostrou disponível para nos conceder esta entrevista.




Cromo dos Cromos: O Carlos Padrão nasceu no Lobito em Angola, e foi no ASA, em Luanda, que começou a dar os primeiros “pontapés na bola”, correcto?

Carlos Padrão:
Exacto, um clube que muito me diz, e que se calhar irei voltar em breve para poder dar continuidade ao sonho de ser útil à minha Angola querida.


CC: Em 1974 vem para Portugal e estabelece-se em Beja. É aí no Clube Desportivo de Beja, onde é colega por exemplo de Vítor Madeira, que começa – digamos – que mais a sério a sua carreira. Lembra-se desses tempos?

Carlos Padrão:
Claro que me lembro, não disse a ninguém que jogava futebol. Um dia no Liceu de Beja, num jogo inter-turmas, lá fui para a baliza. Um senhor, o professor Fonseca, louco por futebol jovem, viu e levou-me de imediato para o Desportivo. Fui chamado à Selecção portuguesa de juvenis, na altura com o Jesualdo Ferreira, e por lá fiquei. Quis a fortuna, que o azar dos dois guarda-redes seniores do Desportivo se lesionassem, e comecei a jogar nos seniores com 16 anos. Tempos inolvidáveis, os campos pelados de Paio Pires, Cacém, Costa da Caparica, Seixal, Sines, etc, a encherem, para verem um "frangueiro" que tinha chegado de África, com 16 anos, que estava na Selecção e já tinha sido contratado pelo Sporting.


 


CC: Com apenas 16 anos, chega a um “grande”, o Sporting Clube de Portugal. Como surgiu essa hipótese de representar os “leões”?

Carlos Padrão:
Foi lindo, mas reconheço hoje, faltou-me mão amiga para me controlar, hoje reconheço isso. Mas tive a honra de representar e viver dentro de um clube que me marcou para a vida. Grande Sporting e enorme massa associativa.


CC: Nunca chegou a jogar pela equipa principal, mas em Alvalade ainda foi colega de jogadores como Tomás, Ademar, Mota e Freire. Acabou por ser uma fase positiva, nesse final de aprendizagem, antes de dar o passo para o futebol sénior?

Carlos Padrão:
Claro que sim... Mas eu na altura não tinha juízo nenhum, e a decisão acabou por ser fazer-me rodar para estabilizar emocionalmente. No final do 1º ano de Leiria estive com um pé no regresso, mas estupidamente achei que deveria ir jogar um ano na 2ª divisão. Má decisão, mas nada a fazer. As pessoas de Leiria foram excepcionais aquando do falecimento da minha querida mãe, e tinha essa dívida de gratidão para com eles.


 


CC: O Carlos Padrão nunca foi internacional AA, mas representou a nossa Selecção como Juvenil, Júnior e Esperança. Que memórias guarda de quando vestiu a camisola de Portugal?

Carlos Padrão: Fantásticas! O hino, as viagens, tudo era novo para mim, a Europa um sonho, o futebol a realização total, enlouqueci de prazer e de orgulho. Ter jogado com o "Leo Messi" Fernando Chalana, e tantas outras estrelas do futebol português, foi uma experiência inesquecível.





CC: Na sua primeira época como sénior, vai representar o GD Riopele. Luta pela titularidade com Matos e Trindade (que mais tarde viria a ser novamente seu colega em Setúbal) e ainda faz 15 jogos. Lembra-se da sua estreia na 1ª divisão?

Carlos Padrão:
(Padrão solta uma gargalhada)... Eu era completamente louco, irresponsável, mas recordo com muito carinho as pessoas, o clube e uma experiência fantástica.




CC: Foi também aquando a sua passagem pelo Riopele, que se cruza pela primeira vez com Jorge Jesus, que viria a ser seu colega novamente em Leiria (79/80) e Setúbal (82/83). Sabemos que tem com Jorge Jesus uma grande amizade, amizade essa que ainda hoje perdura. É aí que começa essa grande ligação?

Carlos Padrão:
Exacto. Como costumo dizer que somos irmãos de sangue. Como disse uma vez na Benfica TV aqui em Angola, ninguém imagina a dimensão humana do Jorge, o seu carácter, hoje distantes, partilhamos muitas conversas, mas principalmente estou ao lado do meu "mano" quando as luzes se apagam e as vozes ingratas e traiçoeiras se fazem ouvir no escuro e nas redes sociais. Mas sempre de forma cobarde, mas ok, foi a vida que ele escolheu. Eu sou o amigão de todos os momentos. Um dos...




CC: O Riopele desce de divisão e o Padrão muda-se para Aveiro. Fernando Cabrita não tem dúvidas em lhe dar a titularidade no Beira Mar, com apenas 19 anos. Foi um grande voto de confiança, não foi?

Carlos Padrão:
Lindo! Ser treinado pelo grande senhor Fernando, e ter como colegas de equipa como Sousa, Veloso, Garcez, Camegim, Manecas, Vala e tantos outros, foi um ano muito bom... Um clube e uma terra muito agradáveis.



 
CC: Mas a passagem por Aveiro também é curta e logo na época seguinte muda-se para Leiria. O União desce de divisão nessa época, mas na época seguinte, comandado por Pedro Gomes, o Carlos Padrão ganha o seu primeiro grande título: Campeão Nacional da 2ª Divisão. Lembra-se dessa conquista?

Carlos Padrão:
Foi uma óptima experiência, e aí, já foi o segundo titulo, o primeiro tinha sido em Angola, com o ASA em 1973, Campeão de Angola de juniores. Aqui a vida foi-me madrasta e generosa. Perdi a minha querida mãe a 23 de Fevereiro com a idade que tenho hoje (52 anos), e a 27 de Novembro nasceu a minha querida filha Carolina. No mesmo ano perdi e ganhei uma Carolina.


 


CC: Em 1981/82 regressa a Lisboa, desta vez para representar o CF “Os Belenenses”. É a primeira vez que se cruza com Artur Jorge (mais tarde volta a treiná-lo no FC Porto). Mas a época não corre da melhor maneira e os “azuis do Restelo” acabam por descer de divisão. Foi uma época atribulada, não?

Carlos Padrão:
Que desgraça! Que clube lindo, que massa associativa, mas... Nove treinadores num ano, salários em atraso. Apesar de tudo gostei de por lá ter passado. Dei no Belenenses o maior frango da minha carreira e um dos maiores frangos que vi até hoje! (Padrão solta uma gargalhada)


 


CC: Próxima paragem Setúbal. Em 1982/83 inicia uma passagem de três épocas pelo clube sadino. Volta a reencontrar o seu antigo colega Trindade na primeira época, “ganhando-lhe” a corrida da titularidade, mas nas épocas seguintes acaba por ser pouco utilizado. A que se deveu essa falta de utilização, visto que o treinador (Manuel de Oliveira) foi o mesmo nas três épocas?

Carlos Padrão:
Uma muito boa primeira época, a minha melhor até então, comparável à que tinha feito em Aveiro. Depois bom, depois encontrei um grande amigo, que era um monstro das balizas e em duas épocas fiz 10/12 jogos. O Jorge Martins era realmente um guarda-redes fabuloso e fez duas épocas soberbas em Setúbal, mesmo assim ainda consegui alternar a titularidade. Foi bom.




CC: Em 1985/86 muda-se de “armas e bagagens” para Chaves. Começa aí, possivelmente uma das melhores fases da sua carreira. Contudo na primeira época, teve dificuldade em se impor, perante a concorrência do veterano Fonseca, não foi?

Carlos Padrão:
Chaves a minha grande paixão. Aí nasceu a minha Neuza, aí fiz as maiores exibições da minha carreira, aí me apaixonei por um clube por uma região, que me acaba de dar mais uma alegria imensa. Fui convidado para ir a Chaves, no dia 1 de Maio, para sermos homenageados pelos 25 anos da ida à UEFA, e por ter sido eleito, o melhor guarda-redes da história do GD Chaves. Imaginem a minha alegria... Fiquei sem palavras.


CC: Mas na época seguinte, Raul Águas dá-lhe a titularidade da baliza flaviense e o GD Chaves, atinge a sua melhor classificação de sempre no campeonato, um 5º lugar. Recorda-se dessa grande época, em que só os chamados “três grandes” e o Vitória de Guimarães ficaram à vossa frente?

Carlos Padrão:
Como não vou recordar... GRANDES, IMENSAS MEMÓRIAS!


 


CC: Terá sido uma das melhores equipas da história do clube, com jogadores como Jorginho, Diamantino, Kiki, Jorge Plácido, Radi ou Jorge Silva. Foi certamente (se não contarmos com a passagem pelo FC Porto), um dos melhores plantéis por onde passou ou não?

Carlos Padrão:
Sem dúvida!

 
CC: Esse histórico 5º lugar, levou o GC Chaves na época seguinte, a marcar presença pela primeira vez nas competições europeias. Depois de eliminarem os romenos da Universitatea Craiova, caíram aos pés do húngaros do Honved. Lembra-se dessa participação europeia, que ao fim ao cabo, foi por certo memorável?

Carlos Padrão:
Inesquecível mesmo. Estaria aqui um dia inteiro, a falar sobre esse assunto. Resumo tudo numa palavra... MARAVILHOSO!


 


CC: Em 1989/90, muda mais uma vez “de ares” e vai representar o Boavista FC. Foi Raul Águas, que o treinava no GD Chaves, que o quis levar para o Bessa?

Carlos Padrão:
A nódoa negra da minha carreira e um assunto que prefiro passar ao lado. Não culpo ninguém, a decisão foi minha.




CC: Mas no Boavista, acabou por não ser muito utilizado e é aí, no final dessa época, já com 31 anos, que surge o FC Porto, voltando a reencontrar Artur Jorge. Como é que apareceu a oportunidade de representar um dos grandes do nosso futebol?

Carlos Padrão: Isso também eu gostava de saber. Até era para ir quando saí de Chaves, mas quando o Presidente Pinto da Costa me telefonou numa terça-feira de manhã, estava eu a chegar a Chaves precisamente vindo do Porto e tinha acabado de assinar pelo Boavista. O Major foi intransigente e não me deixou ir... Fui na época seguinte.


CC: Mesmo que “tapado” por Vítor Baía que começava uma fulgurante carreira, acabou por ser Campeão Nacional, vencer uma Taça de Portugal e uma Supertaça “Cândido de Oliveira”. Que memórias guarda, dessa passagem de duas épocas pelo FC Porto?

Carlos Padrão:
Que pena ter chegado tão tarde, que diferença tudo o que vivi naquele ENORME clube. Organização exemplar, só quem por lá passa percebe porque saímos de lá todos a torcer pelo FC Porto. É, em termos de organização um dos melhores clubes do mundo, regras instituídas, disciplina exemplar, culto do trabalho e da seriedade... Enfim.


 


CC: Paços de Ferreira foi a etapa seguinte. Representa o clube pacence durante duas épocas e é aí que se despede do nosso principal campeonato. Que memórias guarda dessas duas épocas, que ajudaram os pacences a estabilizarem na 1ª divisão?

Carlos Padrão:
Foi mais uma experiência, mas também a frustração de ter passado ao lado daquilo que eu achava que devia e podia ter sido a minha carreira, levou-me a descalçar as luvas para sempre. Ali conheci um lado do futebol que prefiro esquecer. Nada contra o clube nem as gentes de Paços de Ferreira, mas enfim... ACABOU.


CC: No final da época de 93/94, ainda tomou conta da equipa pacence, quando Jaime Pacheco saiu do comando da equipa. Como foi essa curta experiência como treinador?

Carlos Padrão:
Não foi nada demais, foi apenas corresponder a um apelo de pessoas por quem tinha estima, e resolver uma situação pontual. O meu futuro já estava fora do futebol. NUNCA quis ser treinador.


CC: Ao acabar a época, decidiu “pendurar as luvas”. Mas não foi realmente uma despedida, pois depois de uma época parado, ainda foi inscrito no SC Olhanense em 95/96, na altura na 2ª Divisão B. Como aconteceu esse regresso?

Carlos Padrão:
(Padrão solta uma gargalhada)... Nada disso, apenas fui inscrito porque o Olhanense estava sem guarda-redes, um deles conseguiu recuperar e pronto já não joguei, apenas fiz um treino de conjunto na sexta feira que antecedeu o jogo.

 
 


CC: Carlos Padrão, o “Cromo dos Cromos” continua a teimar em manter viva a memória de todos aqueles que fizeram o nosso futebol, através da “colagem de cromos”. Que pensa no geral sobre este nosso projecto?

Carlos Padrão:
Sou suspeito, porque sou vosso fã, desde há já alguns anos. Trabalho FANTÁSTICO, gente fantástica, apesar do palhação de Coimbra (risos). Fico à espera de poder estar num convívio, um dia destes quando aí for (a Portugal). Um grande abraço a todos. BEM HAJAM!

 
CC: Para finalizar e agradecendo mais uma vez toda a sua disponibilidade, pode deixar umas palavras, para todos aqueles que habitualmente visitam este blogue? 

Carlos Padrão: Um grande abraço a todos os amantes deste fantástico blogue, e mais uma vez aquele abraço para os seus criadores Pedro F. Ferreira e João Brites.



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Entrevista: João Brites.
Texto: João Brites.
Agradecimentos: Carlos Padrão.



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